5.9.10

Fumou e pensou na maneira como o hippie lhe sorrira do outro lado da sala. Aquela atitude arrogante e displicente enquanto andava pela rua em direcção à carrinha, o braço da rapariga em volta da cintura. (...) Como é que seria andar a vadiar por aí como aquele homem andava, com o braço de uma rapariga hippie à volta da cintura? Correu os dedos pelo cabelo e abanou a cabeça perante a injustiça. Lembrou-se da rapariga quando esta gritou o seu bingo, de como toda a gente a olhara com inveja reparando na sua juventude e excitação. Se eles soubessem, a rapariga e o amigo. Se ele lhes pudesse explicar.
Pensou em Edith deitada na cama, o sangue movendo-se pelo corpo, pingando, procurando uma saída. Fechou os olhos e abriu-os. Levantar-se-ia cedo pela manhã e arranjaria um bom pequeno-almoço para eles. Depois, quando o consultório abrisse, ela telefonaria ao doutro Crawford para marcar uma consulta, e ele levá-la-ia à consulta e ficaria na sala de espera a folhear revistas enquanto esperava. Na altura em que Edith saísse do consultório com as notícias, ele imaginou que os hippies estariam a tomar o pequeno-almoço, depois de uma longa noite de amor. Não era justo. Desejou que eles se encontrassem ali, na sua sala de estar, no princípio das suas vidas. Ele dir-lhes-ia o que podiam esperar, ele pô-los-ia na ordem. Ele deteria a arrogância e o riso deles e dir-lhes-ia; ele dir-lhes-ia o que os esperava depois dos anéis, dos brincos e dos cabelos longos, o que os esperava depois do amor.

Raymond Carver, "Se tu assim o quiseres", O que Sabemos do Amor, Quetzal, 2010, p.159