14.12.09

Estrogénio, that bastard


Ou de como não posso fugir à genética familiar.

A
bisavó Maria era, à época, um mulherão: alta, loira, de pele e olhos claros, dona de pêlo na venta e de resposta rápida sempre que via os calcanhares ameaçados (assim de repente faz-me lembrar alguém). A minha mãe ainda hoje diz que, muito depois da bisa ter morrido, costumava vê-la a bordar à janela, de cabeça branca e atenta. Deixou de ter essa "visão" quando eu nasci.
A vó Elisa, não me canso de o dizer, ensinou-me quase tudo o que sei das lides da casa: engomar; renovar as farpelas de milho que enchiam os colchões (pode ser um choque para alguns, mas dantes não havia Ikea); remendar meias; pregar botões; fazer uma boa sopa - tem tudo a ver com os ingredientes, a ordem pela qual vão para a panela e o tempo da cozedura. E, claro, a regra máxima: sal ao pôr, azeite ao ferver); coalhar o leite para os queijos frescos; aproveitar as natas do leite e transformá-las em manteiga, amassar pão e até a tratar dos bichos. Esta última era a mais odiada, já que implicava perder as férias de Verão e alombar com sacas de não sei quantos quilos de farinhas várias, para ficar de roda de todo um zoológico que tinha horas certas para comer.
Já falei algumas vezes da última imagem que tenho dela: muito velhota, com as pernas todas deformadas, apoiava a mão direita numa muleta e com a outra arrastava uma das famigeradas sacas. Se aceitou a ajuda oferecida? Claro que não. (Lá está, assim muito de repente faz-me lembrar alguém)
Já a dona Madalena é toda ela uma instituição de capacidade de trabalho, organização, sentido de responsabilidade e de desenrascanço. Esteve presente em todos os meus primeiros dias de aulas, até no da Faculdade para grande vergonha minha, porque com 18 anos era-me mais do que óbvio que sabia tudo e não precisava de companhia. Os objectivos eram simples: levar-me ao sítio certo, explicar-me como funcionavam as coisas por ali e espiar as possíveis más companhias. Depois disso estava por minha conta e risco, com dinheiro calculado até ao final da semana, chaves de casa no bolso e o número do fixo lá de casa decorado, não fosse o diabo tecê-las. As boas notas não eram mais do que a minha obrigação e se não quisesse ir às aulas, certo e sabido que tinha bom corpinho para ir carregar baldes de massa nas obras. Com garantias destas e aquele famoso abrir de olhos a rematar a conversa, não preciso de acrescentar nada ao meu currículo escolar.
Neste fim-de-semana de almoço matriarcal veio de lá uma história sobre mim, daquelas boas, a pedir gargalhadas. A mãe costumava sentar-me no carrinho para irmos passear bonitinhas, one big happy family, mas aquilo era sol de pouca dura. As minhas pernas já estavam a ficar grandes e os pés, a dada altura, começavam a rojar pelo chão. Parava tudo, saía do carro entre muita resmunguice e, não querendo descompor o cenário, nem tão pouco entregar o comando da operação a terceiros, empertigava-me e aí vai de empurrar o carro sozinha, rua fora.
Quem me conhece sabe que isto explica muito boa coisa.

2 comentários:

Hugo disse...

Fios de sangue...

Tanta coisa explicada.

anita disse...

gostei muito.