18.12.09

Precisely

Sozinho, mesmo sozinho

O estado de “sozinho” pode gerar um misto de encantamento e embriaguez .

Falo do estado de “sozinho, mesmo sozinho”.

Não me refiro ao estado “sozinho com pontas soltas”. Com coisas por resolver, que vão e vêm. Isso não é estar sozinho. É a pior coisa que há. Essas pontas dão-nos muito trabalho, a tentar atá-las ou desatá-las. Por ali nos consumimos, sem glória nem proveito duradouro. Ficamos focados na ponta e desfocados do que nos rodeia. Perdemos o bom que circula à nossa volta.

Acho que há cinco anos que não estava sozinho, mesmo sozinho.

Tudo começa com uma decisão racional. E com um grito dado a nós mesmos. “Haja dignidade, pá !”, por exemplo. Dignidade para não magoar mais quem gostamos muito, mas não o suficiente. Ou dignidade para nos recusarmos a ser mais magoados por quem não gosta o suficiente de nós.

Ou então, se for esse o caso, berramos “esta gaja é uma pulha. Não lhe vou perdoar mesmo”. Inscrevemos no nosso cérebro esse mal todo e com ele vacinamos o coração.

Inicialmente custa estar sozinho, mesmo sozinho.

Mas depois, aos poucos, vamos começando a saborear-nos. Há quanto tempo não nos saboreávamos, é a pergunta que surge à nossa frente.

Deixamos de ter “dates”. Começa a ser natural chegar sexta à noite sem nada combinado. Ou sem a pressão de combinar algo. Para marcar espaço.

De súbito, tudo se torna simples. Os amigos deixam de dizer “podes trazer alguém” e dizem apenas “vem”.

Começamos a sentir um imenso poder. O poder de saber que não dependemos de ninguém.

Começamos a ver a beleza à nossa volta. O nosso humor torna-se mais acutilante. Deixamo-nos de merdas. Sentimo-nos disponíveis para o que de novo aí vier. Deixamos de depender do passado. Deixamos de estar à espera e passamos a ter esperança a sério.

Podemos vestir sem receios aqueles boxer anti-sexy, mas tão confortáveis, sem receio de que não possamos estar à altura das circunstâncias, porque sabemos que não vai haver circunstâncias dessas.

Nesta quadra de presentes, o sozinho, mesmo sozinho foi o melhor que pude oferecer a mim mesmo. E sorrio, porque amanhã à noite terei a sorte de estar a admirar as iluminações de Natal nos Champs Elysées. Como o ano passado. Como em todos os últimos anos.


Surripiado ao blog Conto de Fuga

1 comentário:

lysa disse...

Poça! Como me revi na primeira parte do texto.Sim,ainda à espera de sentir o que vem depois..