16.3.12

Não te dou ouvidos porque o teu lugar é atrás do fogão, na cozinha.

Foi o medo de ficar sozinha, as terras de que tem de cuidar, o ter 60 anos e uma vida pesada nas costas, o querer ir empurrando a situação com a barriga a ver se a coisa se resolvia, as retaliações possíveis, a pena, a caridade bacoca, o sentimento de culpa. E isso trouxe-nos aqui. 

Devias era ir trabalhar para a rua, lá é que rendias bem.

Trouxe-me aqui. Se tenho dormido entre 2 a 3 horas por noite, é muito. Sento-me na cama, agarrada ao telefone e à chave do carro. Vigio o sono dela e do meu irmão. Põe uma cadeira atrás da porta. Não só não o faço, como deixo a luz acesa, imaginando-a um farol lá ao longe, como aquele que vejo da minha casa. A-minha-casa. Onde estou segura. O meu muro de silêncio branco e azul.

Se tiver de abandonar este bocadinho de terra, fica-me aqui o coração.

Pois ele que venha. Ameaçou, mentiu, inchou o peito, coagiu, controlou, chantageou. E, no entanto, continua a duas portas da minha. Morro de medo, mas ele que venha.

Se ele vos bater, devem ir imediatamente ao hospital para serem examinados e fazer recolha de provas.

Sento-me e choro, escondo a cara com vergonha. Isto é século XXI, somos pessoas esclarecidas, como é possível que esteja a acontecer? Mas é. Mas está.

Não acontece só aos outros.

Estou tão, tão cansada.